LEUCEMIA VIRAL FELINA – FELV

Aqui você encontrará um resumo, mapas mentais, estudos dirigidos e materiais complementares sobre a Leucemia Viral Felina – FeLV.

MODO ESCURO

  1. INTRODUÇÃO

Os retrovírus são chamados também de RNAvírus e formam a família Retroviridae. Caracterizam-se por terem um genoma constituído por RNA simples, que consiste em aproximadamente 8.500 nucleotídeos. Infectam predominantemente animais vertebrados e possuem genes denominados oncogenes (cancerígenos). A maioria dos retrovírus não causa doenças graves, porém não podem ser combatidos pelo fato de sofrer mutações constantes. A principal característica destes vírus é a síntese da enzima transcriptase reversa, que produz DNA a partir de uma molécula de RNA.

É uma doença infectocontagiosa causada por retrovírus, ou seja, o vírus da leucemia viral felina (FeLV). Este vírus é um dos principais agentes infecciosos patogênicos dos felinos sendo a infecção por este microrganismo a causa de inúmeras manifestações clínicas como neoplasias linfo e mieloproliferativas, doenças degenerativas, citopenias, síndrome da imunodeficiência e coinfecções.

A origem do FeLV remonta de milhões de anos e por conta da similaridade da sequência dos nucleotídeos é possível que o vírus tenha evoluído a partir de um vírus endógeno do rato.

 

  1. ETIOLOGIA

O FeLV é um ƴ-retrovírus da subfamília Oncornavirus, de RNA simples. É um vírus envelopado, com o seu genoma constituído por duas cópias de RNA fita simples, com polaridade positiva, é oncogênico e imunossupressor. O seu envelope é lipossolúvel, tornando-o sensível à desinfetantes, sabão, calor e dessecação. Também, pode ser rapidamente inativado em temperatura ambiente, porém em condições de umidade adequadas pode sobreviver entre 24 e 48 horas.

O vírus liga-se a receptores específicos na superfície da célula do hospedeiro, interioriza-se no citoplasma e faz a transcrição do RNA viral em DNA, através da enzima transcriptase reversa. O DNA viral se integra ao genoma do hospedeiro, na forma de um provírus. Este provírus contêm sequências repetitivas (LTR). No LTR, estão os genes que codificam as proteínas gag, pol e env. As proteínas codificadas por estes genes e suas respectivas funções estão elucidadas no Quadro 1.

Quadro 1 – Genes presentes no LTR, as proteínas que estes codificam e suas respectivas funções e propriedades.

Gene Proteínas Funções e propriedades
gag p15c, p12, p10 e p 27

Formadoras de imunocomplexos e possuem efeitos citotóxicos (p15, p12 e p10)

A p27 é produzida em excesso e é encontrada sob a forma solúvel no citoplasma das células infectadas, no plasma, na saliva e nas secreções. Por isso é o antígeno detectado nas provas sorológicas.

Pol Enzimas trasncriptase reversa e integrase Copia o RNA em DNA complementar
Env gp70 e p15E

Gp70: é responsável pela adsorção do vírion à célula hospedeira e é alvo dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo hospedeiro.

P15E: está envolvida na imunossupressão e na anemia induzida pelo FeLV.

Foram identificados 4 subgrupos de vírus: A, B, C e T, sendo os três primeiros mais importantes. A formação dos subtipos B e T ocorre pela participação de retrovirus endógenos. Os retrovirus endógenos, são retrovírus contidos no DNA do hospedeiro incorporados há milhões de anos. Estão presentes em aves e mamíferos. Estes retrovírus são defectivos, pois sofreram mutações ou deleções ao longo dos anos.

O enFeLV, também chamado de vírus endógeno da leucemia viral felina é um retrovírus endógeno homólogo a FeLV, presente em gatos domésticos, que são sequências de provirus DNA endógenas. São as recombinações do enFeLV com o vírus FeLV que resultam nos outros subtipos. No quadro 2 são apresentados os subtipos do FeLv com suas respectivas recombinações e/ou mutações e propriedades.

 

Quadro 2 – subtipos do FeLV com suas respectivas recombinações e/ou mutações e propriedades.

Subtipo Recombinação Propriedade
FeLV A Encontrado na natureza, não há recombinação Subtipo transmissível, presente em todos os positivos, associado ou não aos outros subtipos e é o subtipo menos patogênico, porém é o mais frequente
FeLV B FeLV A + retrovírus endógeno (enFeLV) Recombinação no gene do envelope, causa mielossupressão ou mieloproliferação e corresponde a 40-50% das cepas
FeLV C Mutação no gene env do FeLV A Corresponde a 1% das cepas infectantes e é raro, causa anemia aplástica
FeLV T Mutação gen env do FeLV A + recombinação com retrovírus endógeno (enFeLV) Citolítico para linfócito T, causa imunodeficiência e depleção linfóide

Os principais mecanismos de evasão do sistema imune do hospedeiro são a capacidade de incorporação do RNA viral, sob a forma de DNA, no genoma da célula infectada, mantendo assim, o provírus viável durante toda a vida útil da célula. A evasão da resposta imune específica dos hospedeiros ocorre por mecanismos de imunotolerância induzidos pelo próprio FeLV.

 

  1. EPIDEMIOLOGIA

A infecção pelo FeLV é disseminada pelo mundo todo entre felinos de vida livre, sendo a taxa de infecção cerca de 2 a 8% entre os animais sadios. Entre os felinos doentes a taxa de infecção tende a ser maior. A transmissão horizontal é a forma de transmissão da maioria dos casos de FeLV. Esta ocorre principalmente por meio da saliva, local em que a concentração do vírus é maior que no plasma. Portanto, a principal forma de transmissão é a horizontal, por contato com saliva, secreção nasal e mordeduras de gatos infectados.

A transmissão vertical, da mãe para os filhotes também pode ocorrer e os neonatos podem ser infectados por via transplacentária, por lambeduras ou pelo leite materno. A infecção intrauterina pode resultar em aborto, reabsorção fetal e morte neonatal.

Os fatores de risco da infecção são associados à idade e o acesso à rua, local onde há maior probabilidade de contágio com felinos infectados. Logo, os gatos errantes, com acesso à rua, habitantes de abrigos ou que tenham contato com felinos com status viral desconhecido são os indivíduos expostos a maior risco.

A resistência à infecção depende da idade, sendo os filhotes mais suscetíveis à infecção. A infecção pelo FeLV é relatada em felinos de todas as idades, porém o número de indivíduos com viremia persistente diminui com o avançar da idade.

 

  1. PATOGENIA

A evolução da doença é variável entre os felinos infectados dependendo do estado imune do hospedeiro, patogenicidade do vírus e carga viral. Após a exposição oronasal, o vírus se replica no tecido linfóide local. Os felinos imunocompetentes conseguem produzir anticorpos neutralizantes contra o antígeno gp70, isolando a infecção. Estes indivíduos correspondem a 30% dos animais infectados. Com esta resposta imune ocorrendo rapidamente, o vírus não atinge o tecido mieloide e a infecção é debelada antes de ocorrer a viremia. Já quando esta resposta não é tão rápida e efetiva, a viremia se tornará persistente. Logo, são classificados 3 estágios da infecção que geralmente ocorrem na sequência:

  1. Infecção abortiva (anteriormente chamada de regressiva): Ocorre em felinos imunocompetentes capazes de interromper a replicação viral por meio de resposta imune humoral e celular eficazes. Os testes de RNA viral, DNA viral e ELISA para detecção do antígeno p27 são negativos nestes gatos.
  2. Infecção regressiva: ocorre a replicação viral e a viremia antes ou pouco depois da infecção medular. O felino possui viremia transitória seguida por infecção latente. Este tipo de infecção tem pouca importância em termos clínicos e epidemiológicos, visto que a reativação viral é rara em condições naturais.
  3. Infecção progressiva: A infecção viral não é contida e ocorre extensa replicação viral, sendo inicialmente nos tecidos linfoides e depois na medula óssea, mucosas e epitélio glandular.

 

  1. SINAIS CLÍNICOS E EVOLUÇÃO

A infecção pelo vírus resulta em diversas doenças e síndromes clínicas. Tem alta prevalência de neoplasias hematopoiéticas, mielossupressão e doenças infecciosas. As doenças induzidas pelo FeLV podem ser agrupadas em: neoplasias induzidas pelo FeLV, síndromes de supressão da medula óssea, imunossupressão, doenças imunomediadas, distúrbios reprodutivos, síndrome do definhamento dos filhotes e neuropatias.

Os sintomas são normalmente anemia, imunossupressão, pirexia intermitente, perda de peso, letargia, gengivite, estomatite, uveíte, anisocoria, entre outros sintomas sistêmicos.

 

As neoplasias que são normalmente associadas à infecção pelo FeLV são os linfomas e leucemia linfática e cerca de 70% dos gatos com doenças linfoproliferativas estão associadas à infecção por FeLV. Quanto às síndromes mieloproliferativas, estas são caracterizadas pela proliferação de uma ou mais linhagens celulares na medula óssea em detrimento de outras. Portanto, trombocitopenia, hepatomegalia, esplenomegalia e/ou linfoadenomegalia, contagens celulares aberrantes e presença de precursores em grande quantidade no sangue periférico (eritroblastemia, linfoblastemia) são achados característicos destas síndromes. Mielodisplasias e fibrossarcomas também podem ocorrer.

Os distúrbios hematopoiéticos são caracterizados pelas citopenias, causadas pela supressão da medula óssea. Anemia regenerativa ou não regenerativa, neutropenia persistente, transitória ou cíclica, anormalidades qualitativas e quantitativas de plaquetas e anemia aplásica são frequentes em felinos infectados por FeLV.

Por fim, mesmo com imunossupressão, o sistema imunológico pode ser estimulado em excesso, causando doenças imunomediadas como glomerulonefrite, uveíte com deposição de complexos imunes, poliartrites, anemia hemolítica autoimune e ulcerações mucocutâneas.

 

6.DIAGNÓSTICO

Os testes que são normalmente empregados no diagnóstico da FeLV se baseiam na pesquisa de antígenos produzidos em excesso durante a replicação viral. São vários testes utilizados para a pesquisa de antígenos virais de FeLV como ELISA, imunofluorescência indireta e PCR. O teste positivo de ELISA não significa que o felino apresenta viremia persistente e deve ser repetido após 12 semanas. O teste de ELISA é um teste de triagem e detecta antígeno P27 no soro, sangue e saliva. Já o de Imunofluorescência Indireta detecta P27 em esfregaços sanguíneos e é preditivo e confirmatório.

Quanto ao PCR, este não detecta antígenos virais e sim a presença de sequências de ácidos nucleicos virais, sendo possível detectar tanto o provirus (DNA), quanto o RNA. Para este teste podem ser coletados sangue, medula óssea e tecidos. É um teste mais sensível em relação aos outros testes, sendo capaz de detectar animais positivos na 1ª semana de infecção, mas contém as limitações inerentes aos testes moleculares.

O PCR pode ser utilizado em casos em que os resultados são discordantes nos testes baseados na detecção de antígenos já realizados no paciente suspeito. O teste também é capaz de diferenciar os subgrupos do vírus. No Quadro 3 estão apresentados os critérios para indicação e interpretação dos resultados dos testes para o diagnóstico de FeLV.

 

Quadro 3 – Critérios para indicação e interpretação dos resultados dos testes para diagnóstico do FeLV

Critérios para indicação do teste de antígenos¹

Gatos que devem ser submetidos ao teste ELISA pelo menos uma vez na vida:·     Gatos doentes, mesmo com testes negativos no passado;

·Gatos recém-adquiridos;

Gatos expostos recentemente a um felino positivo para FeLV;

·Gatos altamente expostos ao risco de infecção.

Interpretação dos resultados:

ELISA negativo: ausência de viremia. Não exclui infecção recente, latente ou exposição prévia. Retestar após 8 semanas.

ELISA positivo: indica viremia transitória ou persistente. Retestar após 8 semanas com ELISA ou IFI².

IFI e ELISA negativos: animal não infectado.

IFI positivo: viremia e persistência da infecção.

IFI positivo e ELISA negativo: falso-negativo (ELISA) ou falso positivo (IFI).

ELISA e IFI negativos em gatos com ELISA previamente positivo: infecção regressiva.

Indicação de testes moleculares Suspeita de infecção regressiva e diagnóstico post mortem com pesquisa de material genético em fragmentos de tumor, tecidos e medula óssea.

Legendas: ¹ – a vacinação prévia não interfere nos testes sorológicos ou PCR. ² – Imunofluorescência indireta

 

  1. TRATAMENTO

Em felinos infectados mas sadios, o diagnóstico precoce auxilia na prevenção do aparecimento dos sintomas, medidas de isolamento e adoção de boa nutrição para esses animais. Estes pacientes devem ser monitorados pelo menos 2 vezes ao ano para detecção precoce de qualquer alteração em sua saúde.

Em felinos sintomáticos, visto que as doenças associadas ao FeLV são secundárias à infecção pelo vírus, normalmente o tratamento é baseado na terapia de suporte com fluidos , antibióticos, , anti-inflamatórios, analgésicos e transfusão de sangue (em casos de anemia severa) e nutricional.

O uso de imunomoduladores também pode ser utilizado. Um deles é o alfa Interferon humano, administrado em doses baixas diárias (30 UI), por via oral em semanas alternadas, capaz de proporcionar a melhora clínica e sobrevida do paciente.  O AZT (zidovudina) em uma dose de 5mg/kg a cada 8 horas é o mais utilizado em gatos com infecções por retrovírus. A filgrastina e o Propionibacterium acnes também são parcialmente efetivos no tratamento da doença. Em casos de neoplasias a quimioterapia geralmente adotada é a ciclofosfamida + vincristina + prednisolona, mas a remissão varia de acordo com a neoplasia.

O prognóstico da infecção pelo FeLV é bom para os felinos imunocompetentes e reservado para aqueles que apresentam viremia persistente, visto que mais de 50% dos pacientes virêmicos morrem dois a três anos depois após a exposição ao vírus.

 

  1. PROFILAXIA E CONTROLE

Os felinos infectados devem permanecer isolados e separados dos demais gatos saudáveis, para evitar a possibilidade de contágio. A eutanásia não é uma medida rigorosamente necessária para o controle da doença se o animal doente for devidamente isolado e deve ser uma decisão do proprietário com auxílio do médico veterinário.

O teste de todos os felinos que compartilham o mesmo espaço, retirada estratégica dos animais infectados e vacinação dos animais suscetíveis têm obtido sucesso na diminuição de prevalência em outros países como EUA e países da Europa. A desinfecção do local com a água sanitária, troca e higienização de vasilhames, cama, utensílios, vazio sanitário por 30 dias e a prevenção de doenças infecciosas e parasitárias também é uma forma de evitar a contaminação.

Antes de se adotar qualquer felino, o ideal é que se realize o teste de ELISA e em abrigos onde um dos felinos teve o teste positivo, todos os outros animais devem ser testados. Os negativos separados e devem ter pelo menos uma dose da vacina contra FeLV. A combinação da detecção dos animais positivos para FeLV em um gatil e a remoção destes apresenta melhores resultados na profilaxia do que a vacinação indiscriminada de todos os animais.

A vacina inativada é a mais indicada para o grupo de risco e previne viremia persistente, mas não impede infecção. A eficácia é menor que 100%, por isso não é indicado a introdução de um animal positivo mesmo quando todos os outros animais são vacinados. A primeira dose da vacina é indicada com 2 meses de idade, com reforço 1 mês depois e anualmente. Diferentemente de outras vacinas, este protocolo deve ser seguido independente da idade da primeira dose do gato.

Existe uma vacina viva recombinante com vetor viral (canarypox virus carreando genes gag e env), patenteada em 2005, mas não está disponível no Brasil. O sistema de aplicação é transdermal e não possui adjuvante, ou seja, tem menor chance de desenvolvimento de sarcomas pós vacinais. A vacina não influencia nos resultados dos testes por detecção de antígeno.

 

  1. REFERÊNCIAS

HARTMANN, K. Clinical Aspects of Feline Retroviruses: A Review. Revista Viruses, Vol. 4, p. 2684-2710. Alemanha, 2012.

MEGID, J, RIBEIRO, M.G.PAES,A.C. Doenças infecciosas em animais de produção  e  de companhia, 1 ed., Editora Roca. Rio de Janeiro, 2016.

SLIDES DE AULA DO PROF DR GUILHERME NUNES – FIV E FeLV – CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA DA FACULDADE DE VETERINÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE.

 

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