COLIBACILOSE – DIARREIA NEONATAL EM BOVINOS
Aqui você encontrará um resumo, mapas mentais, estudos dirigidos e materiais complementares sobre a Colibacilose – Diarreia Neonatal em Bovinos.
MODO ESCURO
- INTRODUÇÃO
A colibacilose é causada pela Escherichia coli, uma bactéria que transita muito bem entre as diferentes espécies (incluindo seres humanos), além de ser um importante indicador de contaminação fecal do ambiente.
A diarreia é a doença que mais causa óbito em bezerros leiteiros e é caracterizada pela produção frequente de fezes aquosas (menos de 10% de matéria seca). Pode ser causada por diversos agentes etiológicos (vírus, protozoários e bactérias), de forma isolada ou em uma co-infecção, que irão variar de acordo com o momento da infecção no pós-nascimento, porém não apresentam sinais clínicos específicos. A Escherichia coli é um dos principais agentes causadores da enterite (diarreia) e 90% das infecções são causadas pela forma enterotoxigênica.
Os distúrbios entéricos apresentam maior casuística em rebanhos leiteiros em comparação com os de corte. São responsáveis por prejuízos significativos na produção, pois geram maior conversão alimentar (animal necessita de mais alimento para produzir a mesma quantidade), menor ganho de peso, custos com tratamento e profilaxia e podem apresentar até 2% de mortalidade no rebanho de bezerros. Portanto, é importante ressaltar que o manejo neonatal é essencial para garantir o bom desempenho da produção leiteira e evitar prejuízos.
- ETIOLOGIA
Os principais patógenos causadores de diarreia neonatal em bezerros são os parasitos do gênero Cryptosporidium e da subclasse Coccidia, os principais vírus são do gênero Rotavirus da família Coronaviridae, por fim, as principais bactérias são do gênero Salmonella e a espécie Escherichia coli.
A incidência de infecção pelos diferentes agentes etiológicos varia de acordo com a idade do bezerro. A infecção por Escherichia coli pela cepa enterotoxigênica ocorre a partir do primeiro dia de vida do animal até 9 dias após o parto, manifestando maior incidência entre o 3º e 5º dias de idade. O animal com colibacilose apresenta diarreia líquida e amarelada, desidratação intensa, fraqueza e extremidades dos membros frias.
A incidência de rotavírus, Cryptosporidium e coronavírus ocorrem principalmente a partir do 4º até 11 dias de idade, o animal apresenta diarreia mucóide (pastosa), febre, distensão e dor abdominal, desidratação progressiva e anorexia. A Salmonella, por sua vez, acomete bezerros a partir dos 11 dias de idade e é caracterizada por diarreia líquida, podendo conter traços de sangue e febre intensa. Por fim, a infecção por coccídios (Eimeria) ocorre a partir de 18 dias de idade do bezerro e seus principais sintomas são diarreia negra, com presença de sangue e cólica.
2.1.Escherichia coli
Essa bactéria é relevante por causar problemas gastrointestinais, porém ela também pode ser responsável por septicemia, mastite clínica (ambiental), infecções do trato urinário e piometrite.
São bastonetes gram negativos, possuem metabolismo aeróbico ou anaeróbio facultativo, são oxidase negativo e catalase positivo, não esporulam, realizam fermentação e produzem gás (sua identificação é feita através da fermentação de açúcares), geralmente são móveis, apresentando flagelos peritríquios podendo conter fímbrias. As fímbrias são estruturas responsáveis pela aderência aos receptores no intestino delgado dos animais, portanto, são um importante fator de virulência e utilizadas para a identificação dos diferentes sorotipos. A ligação nos receptores intestinais é mediada através da intimina, uma adesina presente na membrana externa e um importante fator de virulência, pois sem ela não é possível realizar a aderência no intestino. Dessa forma, é possível dividir as espécies em patogênicas, que causam hemólise, e não patogênicas.
Seu habitat é bastante variado, estão amplamente distribuídas na natureza, presentes no solo e na água e muitas espécies fazem parte da própria microbiota intestinal. A colonização do trato gastrointestinal dos mamíferos por E. coli presente no ambiente ocorre logo após o nascimento. A quantificação de E. coli na água e nos alimentos é um indicador de contaminação fecal.
São divididos em aproximadamente 160 sorotipos, que apresentam preferência por diferentes espécies de hospedeiros, idades e são encontrados com mais frequência em determinadas doenças. A classificação dos diferentes sorogrupos se dá através das diferentes combinações dos diferentes antígenos: capsulares (K) com 80 grupos, somáticos (O) possuindo 165 grupos e flagelares (H) com 50 grupos. Um exemplo de E. coli é a O157; H7, que é patogênica para o homem, porém faz parte da microbiota dos bovinos. Dentre os principais fatores de virulência estão: as fímbrias, responsáveis pela adesão no intestino, a produção de toxinas e a resistência aos antimicrobianos induzida pelos plasmídeos. Algumas fímbrias apresentam preferência dentre as espécies de hospedeiro, como F4 (K88), F5 (K99) e F6 (987P) que estão relacionados aos suínos, enquanto que F5, F6 e F41 estão relacionadas com bovinos.
Os produtos celulares de interesse na patogenia variam de acordo com as espécies e são divididos em Enterotoxinas termoestáveis (ST), que atuam no sistema guanilato ciclase, alterando a secreção e absorção dos eletrólito pelos enterócitos, provocando acúmulo de água e eletrólitos no lúmen intestinal; Enterotoxinas termolábeis (LT), que atuam no sistema adenilato ciclase, também responsável por alterar a secreção e absorção dos eletrólitos; Verotoxinas (VT, STX ou SLT), responsáveis pelos danos vasculares, dessa forma, provocam diarreia com estrias de sangue; Fator citotóxico necrozante (CNF); Sideróforos, responsáveis por remover o ferro ligado às proteínas do hospedeiro; Hemolisinas, que promovem danos à membrana celular dos enterócitos e, portanto, também estão associados a estrias de sangue na diarreia.
- EPIDEMIOLOGIA
A colibacilose pode acometer diversas espécies, entre elas, estão os bovinos, suínos, ovinos, equinos, cães e o homem, um mesmo sorotipo pode infectar uma ou mais espécies. A infecção ocorre de forma natural, visto que o microrganismo pode fazer parte da microbiota do intestino. Sob condições predisponentes, sua proliferação se torna excessiva e há a manifestação da doença. As vias de infecção são oral (principal), umbilical e nasofaríngea. Seus fatores predisponentes estão relacionados com a tríade epidemiológica: o agente etiológico, o hospedeiro e o ambiente.
3.1 Agente
A capacidade de infecção do agente etiológico varia de acordo com o sorotipo, que determina outros fatores que também influenciarão na capacidade de de infecção e virulência da bactéria, como: a habilidade de colonização, os fatores de aderência, as toxinas produzidas e a resistência aos antibiogramas.
3.2 Hospedeiro
A sensibilidade do hospedeiro está intimamente associada com a idade do animal, neonatos são mais sensíveis à infecção, enquanto que a partir dos 60 dias o bezerro se torna mais resistente.
A imunidade passiva (anticorpos recebidos pela mãe) também é relevante para a determinação da sensibilidade do hospedeiro, a quantidade e qualidade do colostro são fundamentais para que o vão determinar e aptidão materna (tetas grossas dificultam a alimentação do bezerro),
Outro aspecto relacionado com a sensibilidade dos bezerros à infecção está relacionado com a presença de infecções concomitantes (doenças e parasitoses) e ao estresse. A separação da mãe é um fator de risco, pois aumenta o estresse do animal, a superlotação dos bezerreiros coletivos e condições adversas (frio, fome, sede e umidade excessiva) também são responsáveis por estressar os bezerros e prejudicar a resposta do seu sistema imunológico aos agentes etiológicos.
As linhagens raciais também influenciam na sensibilidade do animal à infecção: nelores criados a pasto são menos suscetíveis do que bovinos da raça holandesa criados em sistema de confinamento. Uma das justificativas é a facilidade e rapidez para ficar em pé que os nelores neonatos possuem em comparação aos bezerros da raça holandesa.
O escore corporal das mães ao parto também influencia na sensibilidade dos bezerros, pois sua alimentação está intimamente ligada com o desenvolvimento do feto. Vacas com baixo escore corporal no terço final da gestação produzirão bezerros mais fracos e sensíveis à infecção.
3.3 Ambiente
No ambiente, as características que propiciam a infecção estão relacionadas com a presença de agentes infecciosos na propriedade e a carga bacteriana do local (relacionada com a higiene), introdução de novas cepas, transporte do animal para um novo local (possibilidade de contato com diferentes sorotipos), alterações na temperatura e alterações na dieta do animal.
- PATOGENIA E SINAIS CLÍNICOS
4.1 E. coli enterotoxigênica (ETEC)
É responsável por aproximadamente 90% dos casos de colibacilose em bovinos. Possui ocorrência mais comum em suínos neonatos, bovinos, cordeiros e suínos pós-desmame.
Ao infectar o animal, a bactéria se dirige ao intestino, onde realizará a ligação de sua adesina (intimina) com os receptores intestinais do hospedeiro, para que seja possível colonizar o intestino (principalmente nas regiões de jejuno e íleo). Ao realizarem a proliferação, as bactérias iniciam a produção das exotoxinas termolábeis e termoestáveis, que são responsáveis pelo aumento do AMPc e GMPc nos enterócitos, respectivamente. Tanto o AMPc como o GMPc são responsáveis pela inibição da bomba de sódio e potássio, ou seja, há a estimulação da liberação de cloreto e bloqueio da absorção de sódio. Dessa forma, há o acúmulo de água e eletrólitos no lúmen intestinal, gerando uma diarreia osmótica, que é caracterizada como uma diarreia de curso branco, com coloração amarelada e aquosa.
Os principais sinais clínicos são apatia, diarreia aquosa podendo apresentar sangue, desidratação intensa, acidose metabólica significativa, rápida e acentuada perda de peso corporal (30-40%), e febre (raramente presente). Os sintomas não são específicos e muitas vezes o animal pode vir a óbito sem apresentar sinais clínicos, porém o período de infecção é bastante característico, a doença acomete animais de 2 a 3 dias de idade, principalmente.
Em cepas mais patogênicas os sinais clínicos se agravam, de forma que o animal pode apresentar hipermotricidade intestinal, distensão dos intestinos por fluidos, edema e congestão de linfonodos mesentéricos, congestão e edema da mucosa do abomaso.
- DIAGNÓSTICO
O diagnóstico normalmente é realizado com base nos sinais clínicos do animal. Para determinar o sorotipo emprega-se o ELISA ou PCR, utilizando amostras do intestino afetado, linfonodos mesentéricos, fígado, baço, rins, cérebro, swab retal ou fezes do bezerro, porém essas técnicas não são muito empregadas na rotina.
- PREVENÇÃO E CONTROLE
Importante ressaltar que a profilaxia é feita através de um conjunto de ações internas e externas que tem como objetivo impedir a entrada de novas doenças no rebanho e ao mesmo tempo controlar os patógenos já circulantes na produção. Para a colibacilose, as principais medidas profiláticas são a colostragem, a vacinação de fêmeas gestantes e ótimas condições de higiene.
6.1 Colostragem
O Colostro é definido como o leite da primeira ordenha, porém apresenta características distintas do leite integral. Possui o dobro de sólidos e cinco vezes mais proteínas em comparação ao leite integral, suas principais proteínas são as imunoglobulinas, enquanto que o leite integral contém predominantemente a caseína.
Para garantir a qualidade da colostragem e uma imunidade passiva eficiente, o colostro deve apresentar a maior quantidade de anticorpos possível e ser administrado 15% do peso do animal ao nascer (contendo 300g de Ig no total) em 2 fornecimentos de uma a duas horas após o nascimento do animal (no máximo seis horas).
O período de administração do colostro deve ser seguido estritamente, pois a quantidade oferecida para o animal em até 12 horas está intimamente relacionada com o índice de mortalidade e melhora dos índices zootécnicos (ex: ganho de peso) do rebanho. A capacidade de absorção das imunoglobulinas pelo intestino do bezerro decai drasticamente a partir das primeiras 12 horas após o nascimento. Ao nascer, o espaço intersticial do tecido intestinal dos bezerros é maior, permitindo a absorção das imunoglobulinas (moléculas maiores), porém esse espaço intersticial vai se fechando conforme as horas passam, diminuindo consideravelmente a capacidade de absorção dessas moléculas.
Os anticorpos que permanecem na luz intestinal também realizam uma função importante, pois são responsáveis por se ligarem aos patógenos que realizam infecção no período neonatal, diminuindo a quantidade de microrganismos que se ligam à parede do intestino.
A segunda até a décima ordenha (5º dia) o leite ainda apresenta algumas características do colostro, como cor amarelada e a presença de estrias de sangue, sendo considerado um leite de transição, portanto, não pode ser comercializado. A partir da 11º ordenha (6º dia) o leite já é considerado integral e pode ser comercializado normalmente.
A qualidade do colostro está totalmente relacionada com a saúde da vaca, a mastite influencia diretamente na composição do colostro, pois a infecção diminui a concentração de IgG sérico. Ademais, a contaminação bacteriana também é responsável pela diminuição da absorção das imunoglobulinas pelo bezerro, além de poderem causar doenças graves ao animal.
A quantidade de imunoglobulinas presentes por litro de colostro é o parâmetro utilizado para medir a qualidade. Essa análise é feita através do colostrômetro, que utiliza a densidade para definir a concentração de imunoglobulinas existentes na amostra. Colostros que apresentam de acima de 80g de Ig/dL são considerados de alta qualidade e ideal para a utilização na produção.
Também é possível medir a quantidade de imunoglobulina no sangue do bezerro, para averiguar se a transferência de imunidade passiva foi eficaz. Para isso, é necessário coletar o sangue do animal de 24 a 48 horas após o nascimento em um tubo sem anticoagulante, para que seja obtido o soro. Para a análise do soro é utilizado o refratômetro, que possibilita medir a quantidade de proteína presente no sangue do animal. Para interpretação dos resultados, animais que manifestam menos de 5,1g/dL apresentaram falha na transferência de imunidade passiva, de 5,1 a 5,7g/dL a transferência de imunidade passiva é considerada aceitável de 5,8 a 6,1g/dL a transferência de imunidade passiva é considerada boa, por fim, com concentração de proteína acima de 6,2g/dl a transferência de imunidade passiva é considerada excelente.
6.2 Vacinação
Atualmente, é utilizada a vacina inativada que protege contra Rotavírus, Coronavírus, colibacilose e enterotoxemia bovina deve ser aplicada em animais gestantes para que o colostro esteja repleto de anticorpos e, dessa forma, aumentar o período de imunidade passiva do bezerro.
A quantidade de anticorpos maternos via colostro decai ao longo do tempo, portanto é necessário vacinar os bezerros assim que a concentração de imunoglobulinas maternas não esteja alta a ponto de interferir na imunização ativa através da vacina (bezerro com 12 semanas de idade).
6.3 Manejo
A redução do número de E. coli patogênicas no meio ambiente é essencial para a prevenção e o controle da colibacilose, para isso é necessário realizar o manejo adequado somado a ótimas condições de higiene (ex: ventilação adequada nas instalações dos animais, sistema de desinfecção das instalações entre ninhadas).
Manter a temperatura do ambiente constante entre 32 a 34ºC para bezerros não desmamados e de 28 a 30º para desmamados, assim como possuir piso com baixa condução de calor a fim de evitar o estresse relacionado com a mudança brusca de temperatura.
A realização da quarentena em animais novos no rebanho é imprescindível para evitar a proliferação de novos casos e diferentes sorotipos que não estavam presentes na propriedade.
- TRATAMENTO
O protocolo para o tratamento de bezerros com colibacilose se inicia com a identificação de todos os indivíduos doentes no rebanho e logo após reidratar esses animais, realizando a reposição dos fluidos e eletrólitos que foram perdidos, juntamente com a glicose, além disso, também é necessário efetuar alterações na dieta, incluindo mais leite na alimentação dos neonatos.
A E. coli apresenta facilidade de formar resistência a vários tipos de antimicrobianos devido aos plasmídeos. Portanto, a escolha da antibioticoterapia pode ser feita a partir de um perfil fenotípico de resistência para determinar o antimicrobiano mais eficaz, porém poucas fazendas realizam esse exame. Por fim, administração de imunoglobulina juntamente com o uso de medicamentos antidiarreicos e adsorventes também são necessários para controlar os sintomas da diarreia.
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, G.M. Regulação da adesão de Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) por genes de resposta à limitação nutricional e estase. São Paulo: Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, 2009. Tese de Doutorado.
MARQUES, A.D.S.S Detecção de Genes de Enterotoxinas, e Adesinas de Escherichia coli Isoladas de Caninos Atendidos no Hospital Veterinário da Universidade de Brasília. Brasília: Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, 2013. Dissertação de Mestrado.
SLIDES DE AULA DO PROF DR GUILHERME NUNES – Diarréia viral bovina (BVD) e “Doença das Mucosas” – CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA DA FACULDADE DE VETERINÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, 2020.
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